CPI das Apostas Online denuncia crimes, endividamento e pede proibição de jogos como “tigrinho”

O relatório final da CPI das Apostas Online, apresentado nesta terça-feira (10) no Senado, aponta uma série de crimes associados ao setor de bets, incluindo lavagem de dinheiro, evasão fiscal, organização criminosa e manipulação de resultados. Além disso, o documento denuncia impactos sociais severos, como o endividamento crescente de famílias brasileiras, especialmente das classes mais vulneráveis.

Com 541 páginas, o parecer foi elaborado pela senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS), que descreve um cenário de grave descontrole sobre o mercado de jogos de azar online, cujas receitas anuais chegaram a movimentar entre R$ 89 bilhões e R$ 129 bilhões — cifras próximas ao orçamento de ministérios como o da Educação.

Famílias em colapso e economia afetada

De acordo com o relatório, o crescimento acelerado desse setor — que saltou 1.300% desde 2018 — não veio acompanhado de fiscalização adequada. A popularização dos jogos afetou diretamente o consumo familiar, com muitos brasileiros deixando de comprar itens essenciais para continuar apostando.

Um estudo citado pela relatora mostra que 5 milhões de beneficiários do Bolsa Família destinaram cerca de R$ 3 bilhões às apostas somente em 2024, comprometendo a subsistência própria e de seus dependentes. A Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC) indica que 23% dos apostadores deixaram de comprar roupas e 19% abriram mão de itens básicos de supermercado.

Crimes e fraudes sob a superfície

A CPI também apontou que os chamados “jogos de tigrinho”, “ratinho” e similares — todos 100% virtuais — são especialmente prejudiciais. Por serem controlados por algoritmos não auditáveis, esses jogos permitem manipulação completa dos resultados e facilitam crimes como lavagem de dinheiro.

“A ausência de elementos reais ou aleatórios torna essas plataformas verdadeiros sistemas fechados, sem qualquer transparência. São um terreno fértil para fraudes”, afirmou Soraya, que defende a proibição total desse tipo de jogo.

O relatório ainda menciona a existência de empresas de fachada e uso de paraísos fiscais para esconder transações, tornando difícil rastrear os fluxos financeiros. Há também denúncias de uso criminoso dessas plataformas por organizações envolvidas com corrupção e estelionato.

Influenciadores no centro da polêmica

Um dos pontos de destaque do parecer é a responsabilização de influenciadores digitais que promovem apostas de forma irresponsável ou ilegal. Nomes como Virgínia Fonseca e Deolane Bezerra foram incluídos entre os 16 indiciados pela CPI, acusados de envolvimento em lavagem de dinheiro, sonegação e estelionato.

“O que vemos são influenciadores promovendo plataformas irregulares e atraindo até mesmo crianças e adolescentes, com promessas ilusórias de ganhos fáceis e enriquecimento”, disse a senadora. Segundo o texto, muitos desses influenciadores se tornam sócios das bets ou recebem grandes quantias para promover jogos não regulamentados.

Propostas e recomendações

O relatório propõe uma série de mudanças legislativas e regulatórias. Entre elas, estão:

  • Criação de um órgão nacional independente para regulamentar as apostas online;

  • Cadastro nacional de apostadores;

  • Regras rígidas para publicidade, com veto a propaganda voltada a menores de idade;

  • Proibição dos jogos 100% virtuais, como o “tigrinho”;

  • Implementação da Plataforma Nacional de Auditoria e Monitoramento de Jogos de Azar (PNAMJA);

  • Responsabilização civil e criminal de influenciadores que violem normas de propaganda.

Além disso, o documento sugere que anúncios não associem as apostas a soluções financeiras, profissionais ou emocionais, nem apresentem o jogo como substituto do trabalho.

Contexto legal e origem

As apostas online ganharam espaço no Brasil a partir da Lei 13.690/2018, durante o governo de Michel Temer. A regulamentação, no entanto, só começou em 2023, de forma ainda incipiente, segundo a CPI.

Para a senadora Soraya, a ausência de uma estrutura regulatória efetiva permitiu que bilhões fossem drenados da economia brasileira sem retorno social, agravando o endividamento da população e incentivando práticas ilícitas.

A votação do relatório final foi adiada por um pedido coletivo de vista dos senadores. A expectativa é de que o debate se intensifique nas próximas semanas, à medida que o Senado analisa as propostas apresentadas pela comissão.

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